terça-feira, 28 de janeiro de 2014

KALASHNIKOV: O HOMEM




  No dia 23 de dezembro de 2013, as agências internacionais noticiaram o falecimento, na cidade de Izhevsk, república da Udmurtia, Federação Russa, do mais conhecido ícone do mundo das armas: Mikhail Timofeyevich Kalashnikov, criador da arma mais difundida e fabricada de todos os tempos: O fuzil de assalto AK-47.

Sendo um dos últimos representantes de uma geração de armeiros, cujas criações acabaram batizadas com seus próprios nomes, Kalashnikov figura ao lado de designers de armas famosos, como Samuel Colt, John Moses Browning, Paul e Wilhelm Mauser, Hiram Maxim, John Cantius Garand, Gaston Glock e outros.

            Kalashnikov nasceu em uma família de camponeses, em 10 de novembro de 1919, na vila de Kurya, região de Altai, próximo à fronteira com o Cazaquistão. Teve 17 irmãos, dos quais apenas sete sobreviveram. Ainda criança, aos 11 anos (1930), foi exilado na Sibéria junto com a família, por ordem das autoridades bolcheviques, durante a chamada “deskulakização” (Kulak: Camponês considerado abastado). Em 1934, o jovem Misha, aos 14 anos, fugiu da área onde estava exilado e voltou a pé para a vila de Kurya, onde nasceu. Permaneceu em Kurya durante algumas semanas, quando decidiu regressar à Sibéria.

            Em 1936, acompanhado por um amigo, e portando documentos falsificados por ele próprio, Mikhail deixa de vez a Sibéria e foge novamente para Kurya. Durante sua estadia, foi preso devido a denúncia de porte ilegal de arma, no caso, uma pistola. A arma em questão, cuja posse nunca foi admitida para as autoridades locais, era, uma Browning Modelo 1922, escondida pelo amigo e parceiro de fuga antes da deportação. Kalashnikov, que desde cedo demonstrara aptidão e curiosidade pela mecânica, desmontava e remontava a arma seguidamente, e possivelmente, tirou daí as primeiras conclusões sobre o funcionamento das armas de fogo.

 
Vila de Kurya, região de Altai, lugar de nascimento de Kalashnikov

 

Pistola Browning M1922 (Mesmo modelo que acabou por levar Kalashnikov à prisão)

             Em 1938, Misha foi convocado para o serviço militar e o prestou em Stryi, cidade situada a oeste da Ucrânia. Durante este período, servindo como mecânico de tanques, inventou um dispositivo para auxiliar no tiro da pistola TT-30 (Tokarev), a partir do interior dos carros de combate. Ainda nesta mesma época, participou de um concurso, onde apresentou um equipamento para registrar as horas de funcionamento do motor de um tanque. Este invento em particular, lhe rendeu o apadrinhamento do General Zhukov, comandante militar local, e acabou, graças as suas qualidades e a indicação do General, escolhido para produção em série.

Praticando tiro com revólver Nagant em 1940

             Durante a 2ª Guerra Mundial, chamada pelos russos de “A Grande Guerra Patriótica”, o jovem sargento Mikhail atuou como comandante de tanque T-34. Em 1941, na batalha de Bryansk, foi ferido e removido para um hospital militar, na retaguarda, para se restabelecer. Durante o período de convalescença, no contato com outros militares feridos em combate, era comum discutirem sobre a escassez de armas no exercito soviético e sobre a superioridade das armas leves dos alemães. Isto acabou despertando em Kalashnikov, o desejo de criar uma arma capaz de fazer frente à dos inimigos. Para passar o tempo e tentar esquecer as dores, Misha estudava tudo o que encontrava sobre armas na biblioteca, inclusive, os volumes de “A evolução das armas de fogo”, escritos por seu compatriota Vladimir Grigoryevich Fyodorov.

Tanque T-34, mesmo modelo comandado por Kalashnikov na batalha de Bryansk

 

 
General Georgy Zhukov (imagem de 1941)

             Kalashnikov foi liberado do hospital, mas, devido à gravidade do ferimento, entrou em licença médica para completa recuperação. Apesar de o querer, ele nunca voltou ao front da guerra. Passou os próximos anos em vários projetos de armas, entre os quais o de uma submetralhadora, uma carabina semiautomática e um fuzil metralhador. Estas armas, nunca passaram da fase de protótipos, sendo preteridas em face de outros modelos, projetados por armeiros mais experientes como Sergei Gavrilovich Simonov (criador da famosa carabina SKS) e  Aleksey Ivanovich Sudayev (projetou a submetralhadora PPS-42/43).

Submetralhadora projetada por Kalashnikov em 1942.

 Apesar de seu gênio criativo e das suas ideias, Mikhail não trabalhava sozinho, acompanhava-o uma pequena equipe de jovens auxiliares, da qual fez parte a desenhista Ekaterina Viktorovna Moiseyeva, com a qual viria futuramente casar-se e ter dois filhos. Tanto Kalashnikov quanto Moiseyeva, já tinham um filho quando se casaram, entretanto, eles concluíram juntos a criação das duas crianças. Destes, Victor, filho de Mikhail, se tornou também projetista de armas, sendo sua a criação da submetralhadora PP-19 Bison, além de cerca de 30 patentes mais.

Kalashnikov, Ekaterina e seus três filhos, Nellie, Elena e Natacha, em 1959.

Kalashnikov com Natacha (falecida em 1983) e Viktor.

              Em 1945, inspirado no sucesso do fuzil alemão "StG 44 (SturmGewehr modelo 1944), o exército soviético lançou um concurso para criação de um fuzil de assalto, usando o recém desenvolvido calibre intermediário M1943 com 7,62X41mm (inspirado no cartucho alemão  7,92X33 Kurtz e criado em 1943, sendo posteriormente convertido para 7,62X39mm). O sargento Kalashnikov, sob o pseudônimo Miktim, apresentou seu modelo, que concorreu com vários outros projetos e acabou por ser selecionado em 1947. A produção em série iniciou em 1948, em Izhevsk, cidade onde o projetista passou a residir permanentemente. Nascia ali a arma mais fabricada de todos os tempos: O Avtomat Kalashnikova AK-47 (47 é o ano em que a arma foi projetada), em russo: А втомат К алашников.

Protótipo apresentado em janeiro de 1946, conhecido como AK-46  nº 1, usava calibre 7,62X41mm. Note as diferenças em relação aos futuros modelos de série, como: Seletor de tiro e segurança em teclas independentes e do lado esquerdo, coronha presa à caixa de culatra por cavilhas, alavanca de manejo do lado esquerdo, existência de três orifícios em cada lado do cano para compensar o recuo, além, é claro, de algumas diferenças internas.

 
AK-47 (Protótipo produzido em janeiro de  1948).

  A adoção do AK-47 pelas forças armadas soviéticas não se deu, a princípio, de maneira generalizada, sendo usado apenas por algumas unidades do exército vermelho. No inicio, a arma de padrão da infantaria ainda eram as carabinas SKS.

            No inicio da década de 50, por ordem de Stalin, o exercito abriu uma nova competição, com a finalidade de padronizar as armas básicas de pelotão, ou seja, o fuzil de assalto e a metralhadora leve. Mais uma vez, Misha e sua equipe se debruçaram sobre as pranchetas e o resultado, foi a adoção, em 1959, da metralhadora leve RPK (Ruchnoy Pulemyot Kalashnikova) e do fuzil de assalto AKM (Avtomat Kalashnikova Modernizirovanniy), ambos em calibre 7,62X39mm. Em 1961, o exército vermelho adotou a metralhadora de emprego geral PK (Pulemyot Kalashnikova), em calibre 7,62X54R, também projetada por Kalashnikov e sua equipe.

AKM (O AK-47 modernizado)
RPK - Metralhadora leve
PK - Metralhadora de emprego geral

     A partir da adoção de suas armas, a vida de Kalashnikov se transformou. Apesar de ter largado a farda em 1949, de simples sargento reservista, foi sendo promovido sucessivamente até galgar o posto de general. Foi eleito seis vezes deputado do Soviete Supremo, pela pequena república da Udmurtia. Em 1949, ganhou o prêmio Stalin, o que o projetou nacionalmente e melhorou um pouco sua condição financeira. 

    Depois do Stalin, Mikhail kalashnikov foi agraciado com todas as medalhas, comendas e honrarias da antiga União Soviética e da Rússia atual, entretanto, ele sempre alegou não receber um rublo sequer pelos seus projetos, o que deve ser verdade, tendo em vista a simplicidade da vida que levava. Atualmente, existem dois museus dedicados à vida e às armas de kalashnikov, um em Kurya e outro em Izhevsk.

Sargento Kalashnikov, na época do prêmio Stalin.

 
Museu Kalashnikov em Izhevsk, Udmurtia.


Museu Kalashnikov em Kurya, Altai.

              Com a queda da União Soviética, Kalashnikov se viu liberado para poder conhecer outros países e viajou por boa parte do mundo, retornando aos Estados Unidos, onde já estivera em 1990, e conhecendo a França, Alemanha, Inglaterra, África do Sul, entre outros, sendo sempre reconhecido e recebido como um grande projetista.

 
Kalashnikov e Eugene Stoner, criador do AR-15/M-16.

Kalashnikov em fotografia recente, ostentando parte das medalhas e comendas que recebeu.

            Nos últimos anos, Kalashnikov andava com dúvidas sobre o acerto de seu invento, cuja produção se estima em cerca 100 milhões de unidades (incluindo as cópias). Escreveu uma carta ao patriarca da Igreja Ortodoxa Russa, relatando grande sofrimento espiritual, por se achar em dúvida se era também responsável pelas mortes causadas pela arma que projetou. Sabemos que, independente de qualquer que seja a resposta dada pelo patriarca, esta dúvida não é fácil de tirar e provavelmente, poucas pessoas neste mundo tem condições para fazê-lo.

            Discussões existenciais a parte, o fato é: Mikhail Timofeyevich Kalashnikov, foi e vai permanecer por muito tempo, como um dos maiores armeiros da história.

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