sexta-feira, 28 de março de 2014

NOVA MUNIÇÃO: O PROJÉTIL R.I.P.

      Algumas semanas atrás, recebi um email de um amigo, com um vídeo, mostrando um novo tipo de munição criada recentemente nos EUA. Dentro dos objetivos do Blog, de tratar também de assuntos ligados ao tiro de defesa, vamos conhecer esta novidade: 
 A munição R.I.P.
      A nova munição, foi apresentada na Shot Show, ocorrida em janeiro deste ano, em Las Vegas, Nevada, EUA. A tecnologia foi desenvolvida pela empresa G2 Research, situada em Winder, Georgia. A sigla R.I.P., segundo o fabricante, significa: Radically Invasive Projectile, ou seja, em português: Projétil Radicalmente Invasivo. No entanto, alguns admiradores dizem que a sigla vem da expressão em inglês, muito usada em lápides: "Rest In Peace" (descanse em paz).
      Uma forte campanha de marketing, tem levado a uma corrida de atiradores americanos às lojas, bem como, suscitado diversas discussões sobre a efetividade do projétil para o tiro de defesa. Distribuída pela empresa AmmoZone Corporation (Flippin -  Arkansas), o preço atual da caixa com 20 cartuchos, está girando (nos EUA) em torno de 45 dólares, entretanto, como a produção ainda é limitada, alguns "safos" tem comprado grandes quantidades logo que chegam no mercado e depois as revendem com ágio de até 200%.
 
Vídeo institucional da G2 Research apresentando a munição R.I.P.  

      Chamado por seus criadores de "O ultimo cartucho que você vai precisar", o R.I.P, apresenta-se como uma combinação de conceitos dos já conhecidos projéteis "Holow points" (ponta oca) e frangíveis. Produzido em uma peça única de cobre, o que torna o projétil inovador é seu formato geométrico, com cerca de um terço do seu comprimento, a partir da base, em cobre sólido e o restante dividido em oito "pétalas" do mesmo material. Segundo o site do fabricante, as "pétalas" somente separaram-se do corpo do projétil depois de penetrar no alvo atingido. Isto ocorre devido ao desenho das "pétalas" e também devido ao fato do projétil atuar como uma serra copo ao chocar-se com o alvo. Após o impacto e haver penetrado no alvo, as "pétalas" rompem-se e tomam caminhos distintos, com deslocamento de até 180º em relação à linha da trajetória original. Desta maneira, o impacto de um destes projéteis no corpo humano, resultaria em nove cavidades com um efeito devastador nos órgãos internos.

Cartucho R.I.P.
Projétil R.I.P.
Imagem de uma "pétala" isolada (notar os detalhes do design, cuja patente ainda encontra-se pendente)


Imagem do impacto de um R.I.P. num bloco de gelatina balística.
      Segundo o site do fabricante, as características e o desempenho da munição são os seguintes:
  • Penetração em gelatina balística: 14 a 16 polegadas;
  • Agrupamento: 2 polegadas a 25 jardas;
  • Velocidade inicial: 385 metros por segundo;
  • Material: Projétil de cobre sólido (totalmente isento de chumbo);
  • Peso do projétil: 96 grains;
  • Abre nove cavidades diferentes; e
  • Penetra chapas de metal, para-brisas, folhas de compensado e várias camadas de roupas pesadas.

Imagem de cartuchos R.I.P. e de uma abóbora atingida, mostrando o orifício de entrada e "os orifícios" de saída.
    Segundo a G2 Research, a munição está sendo produzida inicialmente somente no calibre 9 mm Luger, mas estão incluídos nos planos da empresa, a produção também nos calibres .380 ACP, .357 Sig, .40 S&W, .45 ACP e balote para espingardas calibre 12 GA. A .380 ACP deve estar chegando às lojas no fim do mês de abril, conforme informações da G2R.
      A despeito de todas as qualidades apregoadas pelo fabricante, estão ocorrendo no EUA, vários testes e acaloradas discussões em torno do real poder de parada da munição. Por enquanto, devido ao pouco tempo de mercado, é melhor esperar mais dados para só então formar uma opinião sobre o assunto. Porém, se  levarmos em consideração os testes de Strasbourg, onde as munições frangíveis e de ponta oca obtiveram os melhores resultados, a R.I.P. tem boas chances de se tornar um sucesso e a maior inovação das ultimas décadas em design de projéteis para defesa. Vamos aguardar.

Agradecimento especial ao meu caro amigo José Roberto Oliveira Lima, pelo envio do vídeo que gerou a ideia deste artigo.
FIDE ET LABORE.



domingo, 9 de março de 2014

KALASHNIKOV: A ARMA

GENERALIDADES
                       Na ultima postagem, conhecemos um pouco da história de Mikhail Timofeevich Kalashnikov, o grande armeiro e projetista russo. Agora, vamos abordar a arma que rendeu a Kalashnikov o reconhecimento e a fama internacionais: O fuzil de assalto AK-47

O FUZIL DE ASSALTO
                              Antes de começar a falar sobre o AK, para melhor entendimento, vamos primeiramente aprender a reconhecer um fuzil de assalto. Alguns autores afirmam que os primeiros fuzis de assalto foram o italiano Cei- Rigotti (não passou da fase de protótipos - Calibre 7,65X53 ou 6,5X52 Carcano) ou o russo Fedorov (produção  estimada em cerca 3.200 unidades e utilizado no Exército Russo - calibre 6,5X50mmSR Arisaka), criados em 1900 e 1915, respectivamente. A história, entretanto, nos ensina que a primeira arma criada com características próprias e destinada ao uso como fuzil de assalto, foi o StG-44, criado e produzido na Alemanha durante a segunda guerra mundial. Mas, sem nos alongarmos na história e nas condições que levaram à criação das armas em questão, fica a pergunta: 
— Quais são as características que definem um fuzil de assalto?
— Fuzis de assalto são armas de fogo de tiro seletivo (automático, semiautomático e em algumas, burst, ou seja, rajada limitada de 2 ou 3 tiros), que utilizam um calibre intermediário (geralmente entre 5 e 7mm), carregadores destacáveis de grande capacidade (geralmente 20 ou 30 cartuchos) e constituem atualmente, a arma básica da infantaria de quase todas as forças armadas do mundo.
Fuzil de assalto Sturmgewehr 44 (StG-44)
O AK-47 E SUAS CARACTERÍSTICAS
                    O que levou o AK-47 a ser considerado o melhor fuzil de assalto já produzido, em comparação com seus concorrentes? Ele não é o mais preciso, não é mais leve, não possui grandes inovações mecânicas e certamente, não é o mais ergonômico. A resposta para esta pergunta pode ser respondida com duas palavras: Simplicidade e rusticidade. Daí o resultado: Confiabilidade e baixo custo.
Coronel David H. Hackworth

          O AK foi criado para equipar um exército composto basicamente de camponeses e operários, em um país que priorizava a praticidade e a durabilidade, em detrimento da beleza plástica do conjunto. As largas tolerâncias mecânicas e o generoso espaçamento entre peças, fizeram do AK uma arma que se mantém operando, mesmo nas condições mais severas, como: Desertos, florestas, charcos, neve, etc. Um fato que exemplifica a rusticidade e qualidade do AK, segundo o livro “Steel My Soldiers' Hearts”, do altamente condecorado coronel americano David H. Hackworth, é o seguinte: Durante a Guerra do Vietnã, militares norte-americanos encontraram um combatente vietcongue morto e enterrado com o seu AK. O coronel Hackworth aproximou-se do corpo, retirou a arma da lama, puxou o ferrolho e disse: "Eu vou mostrar para vocês como uma verdadeira arma de infantaria funciona". E disparou 30 tiros como se o fuzil tivesse recém saído da linha de produção, em vez de enterrado por meses.
               



           Alguns críticos de M. Kalashnikov dizem que o AK é uma cópia quase idêntica do StG-44. Em termos de conceito de utilização e design, as armas são mesmo muito parecidas. No entanto, as semelhanças acabam por aí. Em se tratando de funcionamento, por exemplo, o StG-44 funciona com um êmbolo de curso curto, acionando um ferrolho basculante, enquanto o AK utiliza um pistão de longo curso, acionando um ferrolho rotativo com dois ressaltos de trancamento.
Detalhe da caixa de culatra de um rifle Remington Modelo 8
 (Note a alavanca seletora/tampa)
            Mikhail Kalashnikov, ao criar o AK-47, não precisou "reinventar a roda", desenvolvendo sistemas e materiais novos. Boa parte das soluções usadas, já estava em uso em diversas armas, de vários países. O mérito do projetista, está em reunir em um mesmo projeto, várias ideias já utilizadas em outros, como por exemplo: O modelo do seletor de tiro e segurança, combinado com tampa, já era utilizado no fuzil Remington Model 8, desde 1906 ou o êmbolo de curso longo, que também já era usado no fuzil Garand M1.

Fuzil Garand M1
                   Porém, isto não significa que o projeto era descuidado ou simples junção de ideias, que acabou fazendo sucesso por pura sorte. Cada parte da arma foi pensada e planejada para ser exatamente do jeito que é. O carregador da arma, por exemplo, além da curvatura característica, que permite um carregamento suave e preciso, possui um reforço estrutural na parte do seu encaixe, de formas a ser extremamente confiável e resistente ao uso contínuo. As mencionadas “tolerâncias”, também não se aplicam ao sistema de trancamento, que garantem um "headspace" (distância entre o apoio do cartucho na face do ferrolho e seu “encosto” na câmara) adequado para o funcionamento correto e seguro da arma.
                 A simplicidade da arma é claramente observada se compararmos com outras, como o seu concorrente ocidental, o FN FAL. Este, possui 20 molas e cerca de 180 peças mais, contra apenas 10 molas e 72 peças do AK. Com isto, não queremos dizer que o FAL seja uma arma ruim, muito pelo contrário, é um dos melhores fuzis do século XX. Entretanto, na lógica de armeiro, quanto mais partes, mais possibilidades de falhas.
Vista explodida de fuzil AKM

                Apesar das qualidades mencionadas acima, não significa que o AK-47 seja isento de falhas. A crítica mais comum se refere à sua precisão, que comparada à de seus principais concorrentes, é considerada apenas “aceitável”. Outra falha, também muito mencionada, é que o ferrolho não possui retém, parando fechado após o ultimo tiro. 
          No que se refere ao seletor de tiro e segurança, existem diferentes opiniões sobre a sua funcionalidade. O fato das posições serem, a partir de cima: Segurança, automático e semiautomático, leva à criticas sobre se o soldado, ao deslocar-se com a arma em segurança, em caso de necessidade, iria selecionar logo a primeira posição, ou seja, automático, perdendo assim o controle sobre a disciplina de fogo. A justificativa para esta condição, dada pelo próprio Kalashnikov, é que o soldado no momento da reação, sob estresse, num movimento enérgico, lance o seletor diretamente para baixo, parando na posição “semiautomático”. Sendo assim, para selecionar o dito  “tiro de rajada”, o homem teria que fazer uma ação mais consciente, trazendo o seletor com calma e parando na posição intermediária. 

FICHA TÉCNICA
Tipo: Portátil - Fuzil de assalto;
Emprego: Individual;
Calibre: 7,62X39 mm;
Carregador:  Metálico, destacável, bifilar, tipo caixa, com capacidade p/30 cartuchos;
Funcionamento: Aproveitamento dos gases (pistão acoplado ao transportador do ferrolho rotativo com dois ressaltos engrazadores);
Comprimento: 870 mm;
Peso (C/carregador vazio): AK-47: 4,3 Kg e AKM: 3,14 Kg;
Velocidade teórica de tiro: 600 TPM;
Velocidade pratica de tiro: Automático: 100 TPM e semiautomático: 40 TPM;
Cano: Raiado (4 raias à direita, com passo de 237 mm) e cromado internamente; 
Miras:
AK-47: Massa tipo torre com proteção lateral e alça tipo lamina graduada de 100 em 100 até 800 metros; e
AKM: Massa tipo torre com proteção lateral e alça tipo lamina graduada de 100 em 100 até 1000 metros;

MARCAS




A EVOLUÇÃO
                A evolução da “Família AK-47”, a partir do protótipo mostrado no post anterior, se deu devido à necessidade de correção de algumas “falhas” do projeto, devido às dificuldades de produção e principalmente, devido à necessidade de acompanhar a evolução do “Estado da Arte”, no que se refere aos fuzis de assalto. 

O AK-47 original (Tipo 1)
A primeira variante da “família” iniciou sua produção em 1948 e logo apresentou os primeiros problemas. A caixa de culatra era produzida em chapa de aço estampado, entretanto, a tecnologia soviética de estamparia em metais, nesta época, era muito precária. Isto levou a elevadas taxas de rejeição devido ao maquinário impróprio e a mão de obra desqualificada.  A produção foi mantida até 1951 e estas armas são hoje consideradas raridades.
AK-47 tipo 1
O Tipo 2
                Como resultado dos problemas verificados com o “tipo 1”, decidiu-se continuar a produção utilizando-se uma caixa de culatra em aço usinado. A fábrica de Izhmash rapidamente adaptou o maquinário, anteriormente usado para produzir os fuzis Mosin-Nagant e iniciou a produção em 1949. Entretanto, este método de produção é mais lento que a estamparia e foi devido a essa lentidão, que o exército soviético ainda usou a carabina SKS por um bom tempo até ela ser finalmente, totalmente substituída pelo AK-47.
              Verificando as imagens, o leitor poderá observar que a versão “tipo 2” não possui apenas o processo de produção da caixa de culatra, como diferença em relação à variante anterior. Dois detalhes externos permitem identificá-la rapidamente:

  • Prolongamento metálico da caixa de culatra para encaixe da coronha; e 
  • Cavado horizontal na caixa de culatra, em ambos os lados, situado na área do receptáculo do carregador.
                Foi também nesta versão, que foi introduzida a cromagem da alma do cano e do interior da caixa de culatra, de formas a aumentar a resistência ao desgaste e à corrosão.
AK-47 tipo 2

O Tipo 3
                A variante conhecida como “tipo 3”, na verdade, é um melhoramento da “tipo 2”. Sua produção iniciou em 1952 e foi até 1959. Foi mantido o processo de usinagem na fabricação das caixas de culatra. As principais diferenças em relação à versão anterior, são as seguintes: 
  •  Ausência do prolongamento metálico, sendo os espigões de fixação da coronha parte da caixa de culatra;
  •  O cavado lateral da caixa de culatra passa a ter uma ligeira inclinação para cima; e
  •  A posição do zarelho posterior da bandoleira, que no “tipo 2” situa-se na parte de baixo da coronha, passa e se posicionar no lado esquerdo da caixa de culatra.
AK-47 tipo 3
O AKM
                Em meados dos anos cinquenta, incentivado pelos resultados dos testes do fuzil Korobov TKB-517, que provou ser mais eficiente, leve e barato que o AK, o exército soviético lançou o já mencionado concurso para criação de um novo fuzil de assalto. A despeito das qualidades dos concorrentes, como o próprio fuzil Korobov, a comissão encarregada pela escolha, acabou por recomendar a adoção da versão melhorada do AK. A justificativa para esta recomendação foi o parque industrial já existente, bem como a familiarização das tropas com a arma. Desta forma, foi adotado em 1959 o AKM, ou seja, Fuzil Kalashnikov Modernizado (Avtomat Kalashnikova Modernizirovanniy). Esta, viria a se tornar a versão mais produzida das armas Kalashnikov e a mais facilmente encontrada.
Protótipo do fuzil de assalto Korobov TKB-517
                 O AKM incorporou diversos melhoramentos em relação às demais versões do AK, entre elas, podemos destacar: 
  • Produção da caixa de culatra em chapa de metal estampado, o que veio a contribuir de forma determinante, para a redução do peso total da arma em cerca de 1 kg. As peças usinadas ou fundidas, que fazem a união da caixa de culatra com o cano e a coronha (trunnions), são fixados com rebites, enquanto as guias do transportador do ferrolho, são presas com solda;
  • Adição de um compensador/freio de boca, de rosca, que direciona os gases para cima e para a direita, reduzindo assim a subida do cano, quando em fogo automático;
  • A alça de mira, que no AK era graduada de 100 em 100 metros, até 800, passou a ser até 1000 metros, mantendo a mesma graduação. Esta alteração, é claro, faz parte de uma visão extremamente otimista em relação ao emprego deste fuzil, cuja efetividade gira em torno de 300 metros;
  • A coronha passou a ser mais reta com o eixo longitudinal do cano, trazendo maior controle e  precisão para o atirador, principalmente em fogo automático. Também passou a ser confeccionada em madeira laminada, mais barata e resistente que a madeira sólida, usada no AK-47;
  • O tratamento de superfície do metal utilizado passou a ser a parkerização (preto fosco), em substituição à oxidação azulada do AK-47; e
  • Em termos de funcionamento, foi incluído um mecanismo de atraso da liberação do martelo, a fim de garantir que a arma só dispare, depois do ferrolho estar totalmente trancado. Este dispositivo, entretanto, não altera a velocidade de tiro do fuzil, que permanece em torno de 600  tiros por minuto, quando no modo automático.
A esquerda, chapa para caixa de culatra, ainda não formatada, de um fuzil AKM. Ao centro, peça que faz a união da caixa com o cano (front trunnion) e à direita, encontra-se a peça que a une à coronha (rear trunnion).
Fuzil AKM (notar a "covinha" característica situada na área do receptáculo do carregador).
É claro que existem outras diferenças entre as variantes, seja no aperfeiçoamento de algumas peças, ou mesmo adaptações cosméticas que não enumeramos aqui. Entretanto, o leitor, com as informações listadas, é capaz de identificar rapidamente quaisquer das versões com a qual venha a se deparar.
Em todas as variantes da família AK, pode-se encontrar versões com coronha rebatível, destinadas ao uso de tropas aerotransportadas, guarnições de carros de combate, etc. Estas variações recebiam a designação AKS ou AKMS, onde a letra “S” vem da palavra russa "skladnoy" (dobrável). Alguns autores colocam as letras "a" ou "b", depois do numero da versão, para designar as armas standard ou com coronha dobrável, respectivamente. Desta forma, a arma representada na imagem imediatamente abaixo, sendo um "tipo 3", passa a ser chamada "tipo 3b"
AKS (tipo 3)
AKMS


O Ak-74
Comparação entre cartuchos do AK-47/AKM, do Ak-74 e do M-16.
                Este foi um dos membros da família AK, que evoluiu a partir das “necessidades” impostas pelo “Estado da Arte”. A adoção no ocidente do calibre 5,56X45 mm, levou os soviéticos a buscar uma munição com características parecidas, ou seja, baixo peso e grande velocidade. No inicio dos anos setenta, foi apresentado o novo cartucho desenvolvido: O 5,45X39 mm. A partir da criação deste cartucho, novamente, o exercito vermelho solicitou o desenvolvimento de um fuzil para “calçar” o dito calibre. Mais uma vez, o escolhido foi o projeto apresentado pela equipe de Kalashnikov. Então, em 1974 foi adotado Avtomat Kalashnikova obraztsa 1974 goda, ou seja, Fuzil de assalto Kalashnikov modelo 1974, o AK-74.
Fuzil AK-74
                A arma, de forma geral, manteve as formas do “velho” AKM, respeitadas as dimensões relativas ao novo cartucho, é claro. No entanto, algumas características permitem uma identificação rápida do modelo, como as seguintes: 
  • Freio de boca/supressor de flash “roscado” à boca do cano, com duas janelas laterais e cerca de três polegadas de comprimento;
  • Carregador feito em material sintético de alta resistência. Os primeiros modelos eram feitos numa cor semelhante ao laranja, substituídos mais tarde por outros de cor escura, de formas a melhorar a camuflagem; e
  • Cavados longitudinais em ambos os lados da coronha, a fim de reduzir o peso. A coronha, juntamente com o guarda-mão, eram inicialmente produzidos em madeira laminada, mas, passaram a ser produzidos também em polímero.
              A alça e a massa de mira permaneceram do mesmo padrão do AKM, ou seja, massa tipo torre com proteção lateral e alça tipo lamina graduada (de 100 em 100 metros, até 1000) e cursor com visor.
             Foram produzidas quatro versões do fuzil: A standard (AK-74), o AKS-74, o AKS-74U e o AK-74M, que foi distribuído às tropas russas a partir do inicio da década de noventa.
AKS-74
AKS-74U (A letra "U" vem do russo "Ukorochennyj" que significa "encurtado").  O fuzil foi apelidado no ocidente como "Krinkov". A velocidade de tiro desta versão, aumentou para cerca de 700 TPM e a alça de mira passou a ser do tipo basculante, com apenas duas graduações: Padrão - até 350 metros e longa distância, de 400 a 500 metros.


AK-74M com coronha, pistol grip, carregador e guarda-mão em material sintético escuro (Notar a coronha dobrável sobre o lado esquerdo da arma e o trilho para fixação de luneta, localizado à esquerda da caixa de culatra).

A SÉRIE 100
                Com o fim da União Soviética, os projetistas da IZHMASH Joint Stock Company, aproveitando-se da fama mitológica, conseguida pela família do AK-47 em todo o mundo, resolveu lançar uma série de armas visando, principalmente, o mercado externo. A denominada "Série 100", iniciou com o AK-101 e usa praticamente a mesma plataforma do AK-74M em diversos calibres e configurações, sendo todos, de maneira geral, bastante semelhantes.

AK-101/103
                A grosso modo, são variantes do AK-74M, nos calibres 5,56X45mm NATO e 7,62X39mm, respectivamente. O AK-103 alcançou um bom desempenho comercial com a venda de 100 mil unidades para as forças armadas da Venezuela, anunciada em 2005. Conforme divulgação, parte das armas e das munições, serão produzidas sob licença em uma fabrica local, que segundo informações da mídia, iniciou as operações em meados de 2013.

AK-101
AK-102/104/105
             Basicamente, estes três  modelos são variantes encurtadas do AK-101, 103 e do AK-74M, respectivamente. Um detalhe que permite a identificação rápida é o supressor de flash tipo "boca de sino" acoplado ao cano.
AK-104
AK-107/108/109 
               Estes modelos, apresentam-se nos calibres 5,45X39mm, 5,56X45mm NATO e 7,62X39mm, respectivamente. Possuem uma inovação em seu funcionamento, chamada "ação balanceada", com a finalidade de diminuir o impacto da massa recuante na caixa de culatra, oferecendo um melhor controle da arma. O sistema, consiste em um cilindro de gases de maior espessura, com duas câmaras e apenas um evento de admissão de gases. Na câmara inferior, recua o embolo solidário ao transportador do ferrolho, no mesmo sistema característico das armas Kalashnikov. Na câmara superior, trabalha um embolo que impulsionado pelos gases, avança em sentido contrario, em direção da boca do cano da arma. A sincronização do movimento das duas haste é conseguido por um jogo de cremalheira e pinhão. Nestes fuzis, o seletor de tiro possui a opção "burst" (rajada de três tiros), além de automático e semiautomático.
AK-108

Esquema mostrando o funcionamento do sistema de ação balanceada, desde o momento do disparo, até a extração.
AK-12
              É o mais recente derivado do AK-47, lançado em 2012, com a intenção de substituir o AK-74/AK-74M no exército russo e também visando o mercado externo. Durante a fase de protótipos, ele foi designado como AK-200, tendo mudado para AK-12 logo que foram apresentados os primeiros modelos. O projeto foi pensado para incorporar à plataforma do AK, uma série de recursos já disponíveis nos fuzis de assalto mais modernos existentes, porém mantendo as qualidades que fizeram a fama da arma base, como a simplicidade e a robustez. A arma funciona também com sistema de pistão de longo curso e ferrolho rotativo. Quanto aos calibres, a principio, a intenção é produzir duas versões: Leve, em 5,56X45 ou 5,45X39 e pesada, utilizando 7,62X39 ou 7,62X51. Entre as alterações inclusas, podemos destacar:

  • Coronha dobrável, telescópica, ajustável de acordo com as necessidades do atirador;
  • Seletor de tiro ambidestro, com quatro posições: Seguro, semiautomático, burst (três tiros) e automático;
  • Melhoramento do raiamento para melhor precisão;
  • Freio de boca produzido com dimensões padrão NATO (diâmetro de 22mm), para lançamento de granadas produzidas no exterior;
  • Tampa da caixa de culatra basculante, com abertura para cima e para frente. Este recurso permite fácil acesso aos mecanismos internos, para manutenção e inspeção. A alavanca de liberação da parte traseira da tampa, situa-se na parte posterior da lateral direita da caixa de culatra;
  • Alça de mira foi posicionada na parte mais recuada da caixa de culatra;
  • A alavanca de manejo foi deslocada para frente, sendo encaixada na parte posterior do êmbolo. É possível muda-la de lado, conforme melhor adaptação do atirador; e
  • Inclusão de trilho tipo "Picatinny" integral sobre a caixa de culatra e guarda-mão. Quanto à parte de baixo do guarda-mão, pode-se utiliza-la com a parte inferior com trilho Picatinny, para adaptação de punho ou outro acessório ou simples, para uso de um lançador de granadas.

Fuzil de Assalto AK-12
O LEGADO
                  "A mais mortal obra de arte do mundo". Foi assim que Edward Tenner descreveu o fuzil Kalashnikov, em 2005 no site do MIT. Exageros poéticos à parte, o fato é que o AK e suas variantes constituem a mais falada e onipresente família de armas do planeta.
                   Copiado ou produzido sob licença, o AK-47 rompeu a fronteira do mundo comunista, sendo possível encontra-lo nas mãos de combatentes de todos os continente, sejam tropas regulares ou não. Devido ao fato de que na antiga União Soviética, a propriedade intelectual era considerada posse do estado, o projeto do AK foi liberado para todos os países alinhados com o antigo regime. Isto fez com que várias versões do AK fossem produzidas localmente nesses países, gerando uma enorme gama de variantes, que no geral possuem poucas diferenças em relação à arma original. Mesmo recebendo denominações próprias em seus países produtores, essas armas são hoje normalmente conhecidas como AK búlgaro, AK polonês e por ai vai. Na lista abaixo, relacionamos algumas dessas variantes para exemplificar:
Albânia -  Automatiku Shqiptar 56 (ASH-78 Tip-1, 2, 3);
Armênia - K-3 (versão bullpup do AK-74);
China - Tipo 56;
Polônia - PMK-DGN-60 Versão AK-47) e WZ-88 Tantal (versão AK-74); 
Iugoslávia -  Zastava M-70;
Hungria - AK-55, AKM-63, AMD-65, AK-63 e NGM-81;
Romênia - PM Md 63/65 e PA Md 86; e
Ucrânia - VEPR (versão bullpup do AK-74).
Fuzil de assalto chinês "Tipo 56", versão com caixa de culatra em aço estampado. As principais diferenças em relação ao AK, para rápida identificação, são: Inscrições em chinês, massa de mira com proteção total, baioneta dobrável sob o cano e triângulo formado pelos rebites de fixação do "trunnion" na parte anterior da caixa de culatra.


Fuzil de assalto Iugoslavo M-70 produzido pela Zastava Arms (versão AB-2). Notar os três cortes para resfriamento no guarda-mão (No AK são apenas dois) e o pistol grip de borracha.
 
Fuzil de assalto romeno PM Md 63 (Pistol Mitralieră model 1963).

               Alguns países não alinhados, também desenvolveram, sob licença, armas baseadas no AK, como os seguintes:
Israel - Fuzil Galil;
India - Insas;
Finandia - RK-62; e
África do Sul - R4.

Fuzil de assalto israelense Galil

Fuzil de assalto finlandês RK-62

                O AK é a arma sobre a qual mais se falou e se escreveu em todos os tempos. São vários livros, publicados em diversos idiomas, falando sobre a arma, seu criador e sobre os efeitos da sua disseminação mundial. No Brasil, são dois os títulos disponíveis, traduzidos para o português: "Rajadas da História", da jornalista russa, residente na França, Elena Joly (Jorge Zahar Editor) e "A arma que transformou a guerra", do escritor americano Larry Kahaner (Editora Record).
                No meio de tantas informações, opiniões e pontos de vista, surge sempre a questão: O que aconteceria se o AK tivesse sido criado em algum outro pais que não fosse a poderosa União Soviética, que dividia com os EUA a hegemonia política e militar mundial? A resposta tende a levar a conjecturas, mas o certo é que não foram apenas as qualidades da arma que asseguraram o seu sucesso. Ela é resultado também, da falta de um concorrente similar a altura,  da grande maquina comunista de propaganda e, principalmente, da conjuntura política mundial durante e depois da Guerra Fria. 
                  O historiador americano Edward Clinton Ezell, em seu livro: "The AK47 Story: Evolution of the Kalashnikov Weapons", supõe que o AK não terá um sucessor a altura, até pelo menos 2025. Não sabemos que critérios foram utilizados para estimar essa data, mas estamos em 2014 e pelo andar da carruagem, ele estava certo. Vamos continuar ainda por anos, encontrando versões deste fuzil em muitos conflitos ou crises, seja nas mãos de soldados profissionais ou guerrilheiros, nas de opressores ou insurgentes, nas de policiais ou traficantes.
               Um dado curioso sobre o legado do AK é o uso da sua imagem, como símbolo de força e resistência. Ele aparece em bandeiras e brasões ao redor do mundo, bem como em diversos monumentos.
Bandeira nacional de Moçambique
Bandeira do grupo xiita Hezbollah
Monumento aos mortos na Batalha de Ismailia, no Egito
Monumento em Sariwon, Coréia do Norte.